O amor é cego - Conto de amor e sexo
Eu não sabia exatamente qual era a marca daquele perfume, mas conhecia seu odor como ninguém. Todas as vezes que ele passava por mim, sentia aquela fragrância invadir o ambiente, me deixando hipnotizada e... excitada. Acho que havia uma mistura de almíscar com patchouli na dose exata. Provavelmente era uma colônia pós-barba. Durante muitos meses fiquei com aquela dúvida. Toda vez que cruzava com ele nos corredores do escritório onde trabalhava sentia vontade de falar: "Olá, tudo bem? Nunca nos falamos, mas mesmo assim gostaria de saber o nome do perfume que você usa...". OK, eu sei, seria estranho uma mulher que ele mal notava fazer esse tipo de pergunta. Porém, em algum momento, eu teria que satisfazer minha dúvida. E foi o que fiz naquela tarde de sexta-feira, quando as pessoas da minha área, telemarketing, se preparavam para ir embora.
"Gustavo, tudo bem? Sou a Márcia do departamento ao lado", murmurei, estendendo-lhe a mão. Ele me encarou como se eu fosse uma extraterrestre visitando a Terra. "Bem, pelo menos, você já sabia meu nome", devolveu, sem graça. Quando notei o desconforto no ar, inventei uma mentira cabeluda: "Eu quero dar um perfume para meu namorado. E talvez você possa me indicar algum", falei com vontade de rir porque, evidentemente, não tenho ninguém. Gus, como era chamado pelos colegas, riu gostoso e ficou com o rosto corado. "Eu não entendo dessas coisas. Quem compra minhas colônias é a patroa", disse. P-A-T-R-O-A: aquela palavrinha mágica me desconcertou. Ele era casado?! Por que não usava aliança? Mantive a pose e esperei pelo nome da tal fragrância. "Acho que uso uma chamada Banho de Montanha", falou. Agradeci a dica - embora achasse o nome esquisito para um perfume - e me despedi. Ele, sem graça, foi embora, levando suas pernas grossas, barriga tanquinho e um bumbum de tirar o fôlego. Pense: "Ai, meu Deus... esse gostosão é casado!". Passei o final de semana tentando esquecer de tudo aquilo: dele, do perfume, do meu desejo. Se consegui? Não! Na segunda-feira seguinte, lá estava eu no escritório, observando-o discretamente. "Será que ele amava a esposa a ponto de não me desejar nem um pouquinho", pensei, cheia de ideias na cabeça.Para entrar no vestido novo, prendi a respiração por alguns minutos. Quando olhei-me no espelho, senti orgulho das minhas formas, embora estivesse um pouco roxa por ter segurado tanto o ar para murchar a barriga. "Márcia, hoje você vai arrasar com aquele gato...", disse a mim mesma.
Ao chegar ao escritório, ouvi murmúrios masculinos e notei olhares diferentes. Eu entendia a razão: muitos nunca me viram com um figurino tão sensual. Lucas, um gordinho ruivo do departamento de compras, decidiu me elogiar abertamente: "Márcia, com todo o respeito, esta roupa ficou ótima em você". No entanto, quem eu queria que estivesse entre aqueles fãs estava ausente: Gus. Então, fui um pouco frustrada para minha mesa.
Liguei meu computador e tentei trabalhar. "Cadê ele?", me questionava. Na hora do almoço, não resisti e fui atrás da tia do café. "Dona Cira, a senhora sabe se o Sr. Gustavo veio hoje?", perguntei, tentando ser discreta. Ela, que de boba não tinha nada, deu um sorriso maroto: "Aquele gato das pernas grossas? Não sei, não, 'fia"". Fingi não entender a indireta e saí. No caminho, parei na mesa dele. Todos almoçavam e, como uma criminosa, bisbilhotei os objetos sobre ela. Canetas, blocos, carimbos e... um porta-retrato. Nele, Gus dividia a cena com uma loira alta e bonita. "Deve ser a patroa", murmurei. "Posso te ajudar, Márcia", ouvi de repente.
Ao virar-me, o vi parado de braços cruzados. "Eu estava procurando a mesa do Dr. Adolfo, do jurídico", menti ao mesmo tempo em que devolvia o porta-retrato na mesa. Desconfiado, ele sorriu. "É aquela li", apontou para o outro canto da sala. Disfarcei: "Vou esperar ele voltar. Preciso de um relatório...". Enquanto me afastava, tomada pela excitação de reencontrá-lo, pelo cheiro de sua colônia e por toda a situação maluca, me lembrei de uma coisa estranha: o olhar do casal na foto. Apesar de estarem abraçados e de terem uma linda praia ao fundo, servindo de cenário para a imagem, exibiam olhares tristes... tão falsos quanto os sorrisos amarelos. "Será que eles estão em crise?", pensei, sem conseguir evitar um sorriso de esperança e alegria.
Acordei naquela manhã ensolarada de sexta decidida a fazer alguma coisa para que ele me notasse de verdade. Não seria um vestido justo que resolveria meu problema: eu precisava agir. O rosto dele e da esposa naquele porta-retrato não saíam da minha cabeça. Estava claro para mim que a relação era apenas de fachada. Não tinha dúvida: Gus era infeliz e eu podia salvá-lo oferecendo meu amor.
Assim que cruzei a porta do escritório, notei o olhar da tia do café. Ele me encarou: "Fia, por que algo me diz que você está aprontando?" Meu Deus, ela sabia o que estava acontecendo. Será que lia pensamentos? Fiz-me de desentendida: "Não sei do que a senhora está falando...". Ela balançou a cabeça em sinal de reprovação e voltou para a copa. Meia hora depois, Gus apareceu, mais lindo do que de costume, com uma calça jeans desbotada e justa e uma elegante camisa. Ao me ver, deu uma piscada, seguida de um "bom-dia" cheio de entusiasmo. Ah, como eu amava aquelas covinhas que se formavam no rosto dele quando sorria!
Escolhi a hora do almoço para agir. Esperei que ele saísse para ir até a lotérica da esquina e o segui. Felizmente, ele foi sozinho. Entrei na fila e, quando ele percebeu minha presença, fiz ar de surpresa: "Ah, você também faz suas apostas?", brincou. Eu sorri. Caminhamos juntos em direção ao escritório. Aproveitei cada segundo para tentar descobrir tudo sobre a vida de Gus. Perguntei sobre sua infância, as coisas que gostava de fazer nas horas de folga... até sobre o time de futebol dele eu quis saber. Durante nosso papo, ele citou uma única vez o nome da mulher. E isso foi apenas quando me contou sobre um problema com a documentação do Imposto de Renda do casal. Com muita simpatia - que só aumentava meu desejo - aquele homem respondia a tudo.
Talvez tomada pelo desespero, antes que chegássemos ao trabalho perguntei se não gostaria de me dar uma carona à noite, pois estava sem carro. Ele não notou que eu tremia. Simplesmente aceitou. Nas horas seguintes, passou a me olhar de forma diferente. Meu plano estava dando certo.
Depois daquela noite, Gustavo passou a me dar carona todos os dias. Eu nem precisava mais pedir. Bastava chegar o final do expediente e Gus logo se oferecia. E eu, claro, aceitava! Por isso, comecei a me vestir de um jeito ainda mais chamativo, usando os vestidos mais justos e curtos que tinha no guarda-roupa. E, então, os outros homens do escritório começaram a me olhar de uma maneira diferente. Eu estava me transformando numa mulher mais poderosa! E tudo por "culpa" daquele homem casado.
Embora as caronas se tornassem frequentes, ele continuava o mesmo cavalheiro de sempre. Quando me deixava na porta de casa, despedia-se com dois beijinhos em meu rosto. Sempre que isso acontecia, propositalmente, colava bem meus lábios na barba cerrada dele, na esperança de que Gus, de repente, virasse a face e me desse o beijo que eu tanto desejava. Sonhava diariamente com aquilo, mas estava demorando demais...
Uma amiga me recomendou um perfume afrodisíaco que, segundo ela, resolveria meu problema: "Márcia, você pinga umas gotinhas disso na nuca e homem nenhum vai resistir!", disse ao me entregar o pequeno frasco vermelho. Eu aceitei a dica e passei a usar o produto, mas não apenas em gotas. Para garantir, tomava um verdadeiro banho daquela essência almiscarada antes de ir para o trabalho. Não demorou para que ele notasse: "Má, que perfume gostoso você está usando. Esse eu não conhecia...", comentou durante um almoço no bar ao lado da empresa. Apenas sorri, aguardando os resultados afrodisíacos daquela fragrância.
Numa sexta-feira, o notei chateado. Em seguida, vi que ele recebeu uma ligação no celular. Embora falasse baixo, percebi que estava brigando com alguém. Discretamente, fingi buscar alguns documentos numa mesa próxima para tentar ouvir sua conversa. Não consegui entender o conteúdo, mas deu para notar que era a mulher dele quem gritava do outro lado da linha. "Como essa desgraçada tem coragem de gritar com um homem desses? Se eu fosse ele mandava ela para o inferno... e ficava comigo!", pensava.
Naquela noite, ele me convidou para beber algo e conversar. Em minha imaginação, já vi nós dois entrando num motel e passando a noite trocando juras de amor. Naquela cama redonda, sob o teto espelhado, Gus, finalmente, se declararia para mim!
Vi vários motéis passando pela rodovia, mas Gus acabou parando no estacionamento de um bar repleto de gente. Tentei disfarçar minha decepção. "Uau, que lugar movimentado. Parece que está acontecendo uma festa aqui...", falei meio sem graça. Ele deu um sorriso tímido e abriu minha porta.
Nós nos sentamos numa mesa de canto e pedimos cerveja e petiscos. "Ando tão cansado, Márcia...", suspirou, de repente. Apertei os olhos, num sinal claro que era toda ouvidos para seus problemas naquele momento. "Muito serviço e pouco tempo para fazer as coisas boas da vida...", completou, enquanto bebericava um gole daquela bebida gelada. Continuei olhando para seu rosto lindo e perfeito, emoldurado por aquela barba cerrada que tanto desejava sentir roçar meu rosto. Ele, como se sentisse um certo embaraço, esboçou um ar sério. "Está tudo bem com você, Márcia?", perguntou. Sorri. "Claro!", falei. Ele pediu outra cerveja e começou a falar do time de futebol dele. Eu, que não sabia nem o que era um zagueiro, demonstrei interesse. "Que papo mais chato, Gus...", pensei.
O telefone dele tocou e ele pediu licença para atender do lado de fora do bar. De longe, eu o vi se aproximando de um carro com uma loira agarrada ao volante e com cara de poucos amigos. De repente, Gus entrou no carro e colocou as mãos no rosto. Por pouco não saí correndo atrás dele para ver o que se passava. "Se eu for agora, ele vao saber que eu estou de olho. Melhor eu me fingir de morta e continuar aqui...", pensei. Então, a mulher olhou em minha direção e eu fingi não perceber. Minutos depois, o gato voltou para a mesa. "Desculpe-me. Era minha mulher...", disse, tentando parecer calmo. Fiz cara de que nem percebi que ele estava ali. "Podemos pedir algo para beliscar?", perguntou, tentando disfarçar os olhos cheios d'água. Concordei. Logo, um enorme prato de carne-seca estava entre nós dois.
Sem me aguentar mais, soltei a língua: "Você estava brigando com sua mulher?", falei de supetão. Ele abaixou a cabeça. "Sim, ela passou aqui na frente do bar e viu meu carro. Então, perguntou se eu estava com meu chefe e eu disse que estava com uma colega!", respondeu, com certa inocência. Eu fingi estar triste por ele mas, por dentro, queria dar pulos de alegria: aos poucos, Gus estava me assumindo como seu novo amor e, logo, largaria aquele casamento infeliz.
"Ela é um pouco mais ciumenta do que deveria...", disse, diante de meu mal disfarçado entusiasmo por aquele sinal de que estaria ganhando o coração dele. Eufórica, pedi outra cerveja. Queria enlouquecer e me entregar de vez àquele homem gostoso diante de mim. "Márcia, você já amou alguém?", perguntou-me de repente, com ar sério. Engoli em seco. "Meu Deus, ele vai se declarar!", pensei, tentando me conter para não agarrá-lo. Fingi um ar compenetrado e fui direta. "Sim. Na verdade, eu estou aman...". Antes que eu terminasse, o celular de Gus voltou a tocar. Ele me pediu licença e saiu da mesa.
Aproveitei para ir ao banheiro retocar a maquiagem. Tasquei um batom vermelho e me cobri com o tal perfume afrodisíaco, que parecia estar ajudando. De frente para o espelho, me senti poderosa... e excitada. Fechei os olhos e imaginei Gus entrando pela porta, me abraçando por trás e tocando seu membro rígido no meu bumbum. Quase senti suas mãos levantando minha saia à procura do meu sexo. Gotículas de suor escorreram em meu rosto: eu estava fervendo de tesão. "Gus, hoje você não me escapa!" , pensei. Ele já estava na mesa quando retornei. Parecia abatido. "Era ela de novo...", limitou-se a dizer. Lancei-lhe um olhar confidente, na esperança de que o gato se abrisse e falasse mal daquela cobra, também conhecida como sua esposa. "Você é uma mulher tão bonita! Por que não está com alguém?", perguntou num tom sério. Eu fiquei vermelha com o elogio. Gus era um cavalheiro e sabia cortejar uma dama. "Por quê? Errr... porque eu quero ficar com uma pessoa...", devolvi, mordendo os lábios. Ele sorriu e pediu mais uma bebida. Comecei a ficar impaciente. "Diga que me ama, diga que me ama...", repetia mentalmente. Mas Gus ficou na dele: ora me elogiando, ora bebendo a cerveja... "Posso te confessar uma coisa?", perguntou, encarando-me nos olhos. Fiz sinal afirmativo e me preparei para a declaração de amor. "Você tem sido uma colega incrível. Fico feliz em tê-la como amiga, até para me ouvir reclamar das brigas com meu amor...".Brigas com seu amor? Ele se referia a mim ou à esposa? "Eu e minha mulher vivemos muitos momentos difíceis, mas nos amamos. Às vezes, ela passa do ponto, como hoje, mas pude contar com seu apoio. Quando chegar em casa, faremos as pazes...", falou, aliviado. Pedi licença e saí. No banheiro, chorei. "Ele não me queria como mulher, apenas como mais uma amiga!"
Pensei em discutir com Gus, dizer que ele estava me enganando, mas ele não estava. A louca na história era eu. Em momento algum ele me disse qualquer coisa que pudesse comprometê-lo numa relação amorosa comigo. Eu é que havia fantasiado por pura carência.
Nas semanas que se seguiram àquele encontro, decidi esfriar nosso coleguismo. Nas poucas vezes em que nos encontrávamos no café, disfarçava e voltava para a minha mesa. A tia da copa percebeu. Fia, não te falei para ficar de olhos abertos? Essas coisas do coração enganam a gente..., disse, tentando me consolar. Geralmente, quando ela me dizia alguma coisa sobre Gus, eu ignorava. Agora, me sentia tão triste que desabei num choro profundo e sentido. Uma hora você encontrará alguém que te queira de verdade, repetia ela.
Se ela tinha razão ou não, eu não sabia, mas não podia ficar esperando. Antes que a depressão me tomasse por inteiro, passei a notar melhor os outros solteiros do escritório. Mas eles são tão feios e desengonçados..., pensava, enquanto os observava. Aos poucos, o trauma foi passando e consegui me reaproximar de Gus. Notei como ele era um homem honesto e fiel. Apenas queria me ter como amiga porque gostava de mim. Acabei desenvolvendo o mesmo sentimento por ele e nunca lhe disse que eu estava me apaixonando por ele, pois seria ruim para nosso convívio. Márcia, este é Bruno, vai começar hoje no departamento, falou Gus, naquela manhã de segunda. Olhei o moço alto e bronzeado e o cumprimentei. Enquanto observava o novo colega notei que ele não tinha aliança e não havia nenhum porta-retrato de família em sua mesa.
Apesar de me sentir empolgada, fui devagar. Em vez de me jogar, esperei que meus sinais de fêmea querendo ser cortejada o atingisse, o que não demorou: logo estávamos saindo.
Começamos no barzinho, depois cinema e, finalmente, um bom motel. Apesar de ele ser desimpedido e gatíssimo, não estava me apaixonando. Só queria aproveitar o momento e deixar rolar. Se um dia viesse o amor, ficaria feliz. Se não, tentaria de novo, sem esquecer a lição: melhor ser uma pessoa carente e realista do que uma garota feliz... mas vivendo a ilusão de um falso amor.
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